Ásia Central

O Potencial dos EUA como Fornecedor de Armas para a Ásia

Central: Desafios e Oportunidades

 

Goiases, 30/11/2024



A presença dos Estados Unidos no mercado de armas da Ásia Central é, atualmente, limitada, mas o Departamento de Estado acredita que essa realidade pode mudar no futuro.

Em 22 de novembro, a agência de notícias de defesa Breaking Defense publicou uma análise provocativa, intitulada: "Após observar a Ucrânia, nações da Ásia Central se afastam da Rússia em busca de armas, dizem autoridades dos EUA". O artigo cita um funcionário não identificado do Departamento de Estado, que afirmou que "Washington observou um 'alto nível' de interesse por parte das nações da Ásia Central em produtos, plataformas e serviços de defesa fabricados nos Estados Unidos".

Em um painel no Centro para a Nova Segurança Americana, no início deste mês, o secretário assistente do Bureau de Assuntos da Ásia Central e do Sul, Donald Lu, afirmou que, à medida que os governos da Ásia Central se distanciam da Rússia no que diz respeito à tecnologia militar, "eles não estão apenas olhando para a China, mas também para o Irã, a Europa e os Estados Unidos".

O funcionário não identificado do Departamento de Estado citado pela Breaking Defense mencionou possíveis obstáculos, como a relutância dos EUA em vender equipamentos de defesa de alta tecnologia para governos com laços estreitos e conhecidos com Moscou e Pequim.

“Os países da Ásia Central, no entanto, estão mais uma vez muito interessados em nossos produtos específicos. Na verdade, trata-se apenas de encontrar a combinação certa", afirmou a autoridade.

Um desafio adicional são os orçamentos de defesa mais limitados dos países da Ásia Central. Por isso, em vez de vender equipamentos de alta tecnologia como os jatos de combate F-35, o funcionário dos EUA observou que há “pedidos muito específicos”, como “capacidades menores que atendem a nichos específicos de suas necessidades”.

A Breaking Defense lista exemplos como veículos aéreos não tripulados (UAVs), radares, armas de pequeno porte e munições como sistemas e equipamentos que os militares da Ásia Central podem estar interessados em adquirir. Além disso, um segundo funcionário não identificado do Departamento de Estado, também citado pela Breaking Defense, mencionou o interesse por equipamentos de "boutique", usados pelas forças de operações especiais dos EUA.

As vendas de armas para os militares da Ásia Central são um tema pouco discutido. Como explica a Breaking Defense, as vendas militares dos EUA para os países da região são limitadas e as informações são escassas. Em 2020, a Defense Security Cooperation Agency aprovou a possível venda de três aeronaves King Air B300ER Scorpion, com sistemas de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR), para o Cazaquistão, por um valor de US$ 128,1 milhões. Em 2022, o Uzbequistão supostamente adquiriu UAVs Puma 3 AE, fabricados pela empresa americana AeroVironment.

Vários fatores influenciam se os EUA podem se tornar um fornecedor para os militares da Ásia Central. Devido à limitação de espaço, nos concentraremos no Cazaquistão, onde mais informações estão disponíveis.

O presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev, tem destacado a importância da aquisição de novas tecnologias para as forças armadas. Em uma conferência sobre o desenvolvimento das forças armadas, em 5 de maio de 2023, o presidente ressaltou a necessidade de “aumentar a participação de armas de alta precisão, drones, sistemas robóticos, a frota de aviação de transporte militar e veículos de combate para maior mobilidade”.

A primeira questão a ser considerada é o orçamento de defesa. Segundo a mídia cazaque, o orçamento de defesa de 2023 foi de US$ 2,5 bilhões (1,2 trilhão de tenge cazaque), representando um aumento de 11,6% em relação a 2022. No entanto, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) observa que o orçamento de defesa do Cazaquistão representa apenas 0,5% do PIB. Não há informações detalhadas sobre o orçamento de defesa do Uzbequistão, mas relatos indicam que o Quirguistão destinou 1,5% do seu PIB para a defesa no ano passado — embora o SIPRI indique 3,6%. O aumento nos investimentos do Tajiquistão e do Quirguistão em defesa pode estar relacionado aos confrontos de fronteira de 2021-2022, enquanto o Cazaquistão, com um PIB maior, aloca uma porcentagem menor.

Em outras palavras, as empresas dos EUA não podem esperar lucros elevados em comparação com os clientes europeus ou asiáticos. As vendas também exigirão concessões ou compensações para justificar a compra da tecnologia mais avançada e cara dos EUA.

Outra questão importante é a indústria de defesa local. O Cazaquistão possui indústrias de defesa mais robustas do que outros países da Ásia Central. Embora Astana deseje adquirir equipamentos estrangeiros, também busca desenvolver capacidade interna. Por exemplo, a Kazakhstan Paramount Engineering (KPE), uma joint venture entre a Paramount Engineering da África do Sul e a Kazpetromash do Cazaquistão, fabrica veículos blindados de transporte de pessoal (APCs) como o Arlan 4×4. No início de 2022, a KPE entregou um novo lote de Arlan para os militares cazaques. Além disso, a KPE também desenvolveu o veículo de combate de infantaria (IFV) Barys 6×6.

Na feira de defesa Belgrade Partner 2023, realizada na Sérvia, a Taharqa Technologies, uma start-up cazaque, exibiu o protótipo de seu drone multirrotor NMD. Segundo a empresa, o NMD pode penetrar blindagem de até 10 mm e foi projetado para atingir a infantaria inimiga com ogivas de fragmentação de alto explosivo.

Isso sugere que o Cazaquistão pode não apenas querer comprar tecnologia, mas também obter o know-how necessário para fabricar alguns sistemas internamente.

Em terceiro lugar, há a questão da diversificação de fornecedores. Governos e empresas de defesa extrarregionais identificaram a lacuna na Ásia Central e estão interessados em fornecer seus sistemas e plataformas. A África do Sul é um exemplo, mas há outros. Em maio de 2023, a Kazakhstan Engineering assinou um memorando de entendimento com a Turkish Aerospace Industries (TAI) para produzir o UAV Anka da TAI no Cazaquistão. Empresas turcas também estão interessadas em modernizar a frota naval cazaque.

A China é outro fornecedor em potencial, e de acordo com o SIPRI, o Cazaquistão adquiriu UAVs Wing Loong-1 e mísseis antitanque Blue Arrow-1. O Uzbequistão também adquiriu drones turcos e chineses, evidenciando sua disposição em diversificar fornecedores.

Embora o Cazaquistão tenha recorrido ao Ocidente para adquirir alguns sistemas, como aeronaves de transporte A400M da Airbus e jatos de treinamento L-39 da fabricante tcheca Aero Vodochody, a questão das relações com a Rússia também deve ser considerada. Como membro da União Econômica Eurasiática, da Organização do Tratado de Segurança Coletiva e da Organização de Cooperação de Xangai, o Cazaquistão enfrentaria desafios se adquirisse tecnologia militar dos EUA. As relações bilaterais com Moscou poderiam sofrer uma deterioração temporária, e consequências comerciais ou diplomáticas poderiam surgir.

Além disso, os militares cazaques ainda utilizam equipamentos predominantemente soviéticos ou russos. Com a indústria de defesa russa focada na produção de hardware para as linhas de frente na Ucrânia e no Mar Negro, não está claro se a guerra afetará a transferência de hardware militar para o Cazaquistão. A manutenção das plataformas militares russas e soviéticas pode se tornar um problema, caso a indústria de defesa do Cazaquistão não consiga mantê-las operacionais.

Finalmente, há a questão política: até que ponto os EUA devem vender equipamentos para o Cazaquistão? Embora o país busque mostrar-se um parceiro confiável, ainda tem trabalho a fazer em termos de governança e transparência, como evidenciado pelos eventos do Janeiro Sangrento de 2022. Por outro lado, o Turcomenistão, com seu regime autoritário e histórico de violações de direitos humanos, é um cliente em potencial do qual os EUA e suas empresas de defesa prefeririam se distanciar.

A análise da Breaking Defense oferece uma visão importante sobre o mercado de defesa da Ásia Central. Embora exista espaço para os EUA se tornarem fornecedores de alguns equipamentos, especialmente à medida que os militares da região buscam modernizar suas forças, há diversas variáveis que indicam que as indústrias de defesa dos EUA provavelmente não se tornarão protagonistas na região tão cedo.