Ensaio

Ensaio

O Conservadorismo no Brasil e o Crescimento do Centrão:

Uma Análise Detalhada e Crítica das Interpretações Populares

 

Goiases, nov/2024

 

O cenário político brasileiro é complexo, diversificado e moldado por inúmeras influências históricas, sociais e culturais. Nos últimos anos, as eleições para cargos locais, como prefeitos e vereadores, trouxeram à tona uma tendência crescente de adesão ao conservadorismo e ao pragmatismo político, simbolizado pelo avanço do chamado “Centrão”. Composto por partidos sem uma orientação ideológica rígida, mas com um elevado poder de articulação e adaptabilidade, o Centrão se consolidou como uma força influente, capaz de se aliar a diferentes correntes políticas e se manter relevante no cenário nacional. No entanto, muitos dos argumentos que buscam explicar esse movimento conservador no Brasil frequentemente ignoram a complexidade da sociedade brasileira, criando interpretações simplistas que não refletem a totalidade da realidade.

Historicamente, o Brasil apresenta uma tradição de concentração de poder e de estruturas sociais marcadamente hierárquicas. Esse traço tem suas raízes no período colonial, quando elites agrárias e religiosas dominavam o país, sustentando valores conservadores e reforçando uma rígida divisão social. Muitos estudiosos e analistas interpretam o conservadorismo atual como uma continuidade desse histórico de poder, mas essa leitura apresenta equívocos. Embora seja verdade que as elites brasileiras preservaram uma estrutura desigual, a sociedade sempre teve movimentos de resistência e lutas populares que desafiaram essa ordem, mostrando que o povo brasileiro não é necessariamente passivo ou submissamente conservador.

A ditadura militar, que marcou o Brasil entre 1964 e 1985, reforçou a narrativa da segurança sobre a transformação social. Esse período ainda tem impacto na forma como muitas pessoas veem a política, especialmente as gerações mais antigas que viveram sob um regime autoritário. No entanto, o conservadorismo atual não pode ser simplesmente explicado como uma “herança” desse regime. Ao contrário do que se pensa, as gerações mais jovens, em grande parte, não têm conexão direta com essa memória e, muitas vezes, suas escolhas políticas refletem mais uma busca por soluções práticas e estabilidade do que uma aversão ideológica à mudança.

Outro aspecto frequentemente mal interpretado é a relação entre o conservadorismo e a religiosidade no Brasil. Com o crescimento das igrejas evangélicas, muitos observadores associam o avanço do conservadorismo à influência religiosa, especialmente de valores morais e familiares defendidos por essas igrejas. É verdade que as igrejas evangélicas possuem grande capacidade de mobilização e oferecem apoio social que cria uma identidade coletiva entre seus fiéis. No entanto, essa generalização não reflete a diversidade de pensamentos e posicionamentos entre os próprios evangélicos. Há diversas correntes dentro do movimento evangélico, e nem todos os fiéis compartilham uma visão conservadora. Muitos defendem pautas progressistas, especialmente em questões de justiça social, o que torna simplista a ideia de que o voto evangélico é automaticamente conservador.

A ascensão do Centrão está intimamente ligada a esse contexto, mas não é uma consequência direta de uma suposta “homogeneidade” religiosa. Em vez disso, o Centrão soube captar as demandas desse eleitorado diversificado, oferecendo uma plataforma que, embora vaga ideologicamente, se compromete com questões que importam a essa população, como segurança, moralidade e estabilidade social. Assim, o Centrão não representa um bloco conservador puro, mas um espaço de articulação política pragmática, que se adapta às demandas locais e às sensibilidades culturais.

Outro fator que precisa ser analisado é o medo de desordem e a associação equivocada entre políticas progressistas e o caos. Desde a Guerra Fria, o Brasil, como muitos países latino-americanos, construiu um imaginário anticomunista que até hoje influencia parte do pensamento popular. Esse medo, alimentado por campanhas de desinformação, faz com que muitos eleitores associem propostas progressistas ou de esquerda com instabilidade ou desorganização. Essa visão é simplista e ignora as nuances de muitas propostas progressistas, que visam a justiça social e a redução das desigualdades sem necessariamente implicarem em desordem. Ao explorar esse temor, o Centrão se apresenta como uma alternativa estável, evitando posições radicais e prometendo uma política de segurança e estabilidade.

A questão econômica também influencia o conservadorismo e a adesão ao Centrão. Parte do eleitorado, especialmente na classe média emergente, adere ao discurso meritocrático e individualista, rejeitando políticas de redistribuição de renda por acreditar no mérito pessoal como o único caminho para o sucesso. Esse ideal é amplamente apoiado pelo Centrão, que defende políticas de incentivo ao empreendedorismo e ao mercado, oferecendo ao eleitorado a impressão de que suas conquistas serão valorizadas sem a interferência de políticas assistenciais. No entanto, interpretar essa adesão ao mérito como conservadorismo absoluto é um erro. Em muitos casos, o que esse eleitorado realmente deseja é uma economia mais justa e com oportunidades reais de crescimento, sem rejeitar completamente a ideia de programas sociais que, se bem estruturados, poderiam apoiar aqueles em situação de vulnerabilidade.

Ao mesmo tempo, é preciso abordar a questão da narrativa anticomunista que ainda reverbera na política brasileira. Desde a ditadura, criou-se um imaginário de que o socialismo ou o comunismo representam uma ameaça direta à liberdade e à propriedade. Esse temor foi intensificado em tempos recentes por movimentos internacionais de direita e pela globalização das ideias conservadoras, que têm grande penetração no Brasil. No entanto, essa aversão a ideologias de esquerda não deve ser interpretada de forma absoluta. Muitos eleitores se sentem desconfortáveis com ideias extremas e preferem a moderação do Centrão, mas isso não significa uma rejeição total a ideais progressistas. Na verdade, o Centrão prospera justamente por captar essa necessidade de moderação e aliar-se a discursos que se apresentam como “antipolítica” ou de “centro”.

Esses fatores todos convergem para o crescimento do Centrão, mas ele não representa uma resposta ideológica rígida da população. Muitos eleitores se alinham ao Centrão mais por conveniência e pragmatismo do que por identificarem-se profundamente com seus valores. Em tempos de crise, o Centrão oferece uma solução que parece prática e segura, prometendo estabilidade econômica e social. Isso cria um sentimento de confiança entre os eleitores, que enxergam nesse bloco político uma alternativa que evita extremos e oferece respostas práticas para problemas cotidianos.

Os equívocos na interpretação do conservadorismo brasileiro muitas vezes mascaram as reais motivações do eleitorado. A ideia de que o brasileiro é “naturalmente” conservador e avesso a mudanças ignora a complexidade da sociedade. Na verdade, o eleitorado brasileiro é diverso, com desejos variados que refletem uma busca por estabilidade e segurança, mas também uma insatisfação com as desigualdades e a falta de oportunidades. O Centrão, ao perceber essa complexidade, utiliza uma abordagem pragmática e flexível, que capta esses anseios sem comprometer-se com transformações profundas ou ideologias rígidas.

Ao compreender esses fatores em profundidade, é possível perceber que o conservadorismo atual e o crescimento do Centrão são reflexos não de uma preferência ideológica inata, mas de uma combinação de fatores históricos, sociais e econômicos que, em tempos de instabilidade, favorecem opções políticas que prometem segurança e continuidade. O eleitor brasileiro não rejeita mudanças por completo, mas teme promessas vazias e rupturas radicais que poderiam aumentar a insegurança e dificultar a vida cotidiana.

A análise do panorama político brasileiro mostra que o crescimento do Centrão e do conservadorismo no Brasil não é um fenômeno simples ou uniforme, mas um reflexo de uma sociedade multifacetada, que busca respostas para problemas imediatos e que se adapta ao contexto social e econômico. O Centrão, ao oferecer uma política flexível e pragmática, capta esses anseios e se mantém relevante, não por representar uma ideologia forte, mas por adaptar-se às necessidades e expectativas de um eleitorado que busca segurança, estabilidade e soluções práticas.