Oriente Médio

A Crise Síria: O Fim do Regime de

Assad e o Futuro do País

 

Goiases, Dez/2024

 

A crise síria, que se estendeu por mais de 13 anos, alcançou um ponto de inflexão significativo com a recente queda do regime de Bashar al-Assad. Em uma ofensiva relâmpago iniciada em 27 de novembro de 2024, forças rebeldes, lideradas pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), tomaram a capital, Damasco, forçando Assad a fugir do país.

A fuga de Assad marcou o fim de um regime que perdurou por 24 anos. Relatórios indicam que ele e sua família buscaram asilo na Rússia, onde o ex-presidente teria instruído uma transição pacífica de poder.

A população síria, exaurida por anos de conflito, recebeu a notícia com uma mistura de alívio e esperança. Imagens de celebrações nas ruas de Damasco e de refugiados retornando ao país a partir do Líbano e da Jordânia refletem o desejo coletivo por paz e reconstrução.

A comunidade internacional reagiu de diversas maneiras à queda de Assad. A França saudou o fim do regime, descrevendo-o como "mais de 13 anos de repressão extremamente violenta contra o seu próprio povo". Já os Estados Unidos expressaram cautela. O presidente Joe Biden afirmou que os EUA trabalharão com parceiros para ajudar a Síria a aproveitar a oportunidade de mudança, mas não indicou um envolvimento direto no conflito.

A Rússia, tradicional aliada de Assad, confirmou a chegada do ex-presidente em seu território e destacou a importância de uma transição pacífica. Autoridades russas iniciaram contatos com o HTS, buscando manter sua influência na região e assegurar a continuidade de suas bases militares no país.

Países árabes também manifestaram suas posições. Israel enfatizou a necessidade de preservar a segurança nas fronteiras, especialmente nas Colinas de Golã, enquanto a Turquia e outras nações árabes clamaram por uma solução política e assistência humanitária para estabilizar a Síria pós-Assad.

A queda de Assad levanta questões sobre o futuro político da Síria. O HTS, embora tenha se distanciado de grupos como o ISIS e a Al-Qaeda, é visto com desconfiança por parte da comunidade internacional. A formação de um governo inclusivo que represente a diversidade étnica e religiosa do país será crucial para evitar novos conflitos e promover a estabilidade.

A reconstrução da Síria exigirá esforços coordenados tanto internamente quanto por parte da comunidade internacional. A infraestrutura devastada, a economia em colapso e a crise humanitária são desafios que demandam atenção imediata. Além disso, a reintegração de milhões de refugiados e deslocados internos será fundamental para a recuperação do país.

Especialistas em política internacional, como o professor Mohammed Khaled, da Universidade Americana de Beirute, destacam que a Síria enfrentará um "longo caminho de reconstrução, exigindo uma abordagem equilibrada entre a ajuda externa e a mobilização interna". Khaled também alerta para o perigo de grupos extremistas aproveitarem o vácuo político na transição.

Já a analista russa Svetlana Ivanova acredita que a Rússia buscará manter uma posição estratégica na Síria, não apenas por razões militares, mas também econômicas, explorando oportunidades na reconstrução do país. "A estabilidade da Síria é crucial para o Oriente Médio, e Moscou não abrirá mão de seu papel influente", afirmou Ivanova.

Por outro lado, analistas ocidentais, como Sarah Mitchell, da Chatham House, veem com ceticismo a capacidade do HTS de liderar uma transição inclusiva. "Embora tenham se distanciado do extremismo, suas raízes e práticas ainda suscitam dúvidas na comunidade internacional", ressaltou.

O processo de justiça e reconciliação também será uma pedra angular para o futuro da Síria. Para a advogada de direitos humanos Layla Hariri, "a responsabilização por crimes de guerra não é apenas uma questão moral, mas uma necessidade para evitar ciclos de vingança e promover a confiança entre as diferentes comunidades".

A crise econômica herdada do conflito não pode ser ignorada. A moeda síria perdeu mais de 90% de seu valor, e a taxa de desemprego atinge níveis alarmantes. "A reconstrução econômica exigirá um plano abrangente, envolvendo investimentos externos e reformas internas", apontou o economista Jordan Al-Khatib, especializado em mercados emergentes.

Além dos desafios econômicos, a crise ambiental é uma questão que frequentemente passa despercebida. As áreas agrícolas, antes um pilar da economia síria, foram devastadas pelos combates e mudanças climáticas. A recuperação dessas áreas será fundamental para garantir a segurança alimentar no país.

No campo diplomático, a posição das Nações Unidas será determinante. "A ONU tem a responsabilidade de facilitar um processo político inclusivo e coordenar a ajuda humanitária de maneira eficiente", afirmou a diplomata brasileira Carla Mendes, que atua no Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários.

Outros países árabes, como o Egito e a Arábia Saudita, demonstraram interesse em desempenhar um papel construtivo na reconstrução da Síria. No entanto, a rivalidade regional entre esses países e o Irã pode complicar as negociações futuras.

A juventude síria, que cresceu em meio à guerra, é vista como um ponto de esperança. "Eles carregam a resiliência necessária para reconstruir o país, mas precisam de oportunidades de educação e emprego para evitar a migração em massa", afirmou o sociólogo Ali Mansour, da Universidade de Damasco.

A mídia árabe, como a Al Jazeera e a Al Arabiya, tem enfatizado o papel da comunidade internacional na reconstrução e na necessidade de apoiar a transição democrática. "A narrativa agora deve focar na esperança e na cooperação, em vez de divisões e conflitos", destacou a jornalista Noor Haddad.

O papel da diáspora síria também não pode ser subestimado. Milhões de sírios vivendo no exterior possuem habilidades e recursos que podem contribuir significativamente para a reconstrução do país, desde que incentivados a retornar.

Enquanto isso, países como a China veem na crise uma oportunidade de expandir sua influência na região, oferecendo financiamentos para projetos de infraestrutura em troca de parcerias estratégicas.

A transição política deverá equilibrar interesses internos e externos. Para isso, o diálogo entre diferentes facções sírias será fundamental. "Somente com um compromisso genuíno será possível alcançar uma paz duradoura", concluiu o pesquisador David Stein, do Middle East Institute.

A queda de Bashar al-Assad representa um marco histórico para a Síria, abrindo caminho para novas oportunidades e desafios. A expectativa do povo sírio por paz e reconstrução é palpável, mas o sucesso dessa transição dependerá de esforços conjuntos, tanto internos quanto externos, para construir um futuro estável e próspero para o país.