A Manipulação da Fé e o Cale-se
Edmar Ribeiro
Goiases, 08/10/2024
As igrejas evangélicas no Brasil, especialmente em seu setor neopentecostal, têm exercido um poder crescente e significativo sobre a vida social, cultural e política do país. Esse crescimento não se limita ao número de fiéis, mas também se reflete na sua capacidade de influenciar agendas políticas e moldar a identidade de milhões de brasileiros. A aliança entre as lideranças evangélicas e movimentos políticos de direita e ultradireita é um fenômeno que vem sendo amplamente observado e estudado, com impacto considerável no cenário político.
Essas igrejas têm enfatizado um discurso conservador, que foca fortemente em valores morais tradicionais, como a defesa da família nuclear heterossexual, a condenação da “ideologia de gênero”, a criminalização do aborto, e a rejeição ao movimento LGBTQIA+. Esses valores, muitas vezes, são propagados como princípios cristãos fundamentais, mas algumas dessas posições entram em contradição com os ensinamentos mais amplos da doutrina cristã, que prega a inclusão, o amor ao próximo e a compaixão.
O conservadorismo moral promovido por essas igrejas muitas vezes desvia-se para um falso cristianismo, no qual princípios éticos universais são substituídos por uma retórica de controle, poder e exclusão. Ao invés de promover a caridade e a igualdade, essas lideranças pregam o sucesso individual como uma prova de fé, alinhando-se a uma visão materialista de mundo. O que se observa é o fortalecimento da chamada “teologia da prosperidade”, que associa diretamente a fé à acumulação de bens e riquezas, distorcendo a mensagem cristã original, que coloca a renúncia ao materialismo como um dos seus princípios centrais.
Esse modelo de cristianismo, associado a um pensamento conservador e, muitas vezes, reacionário, tem reforçado divisões sociais e alimentado preconceitos. A retórica que vê o pobre, o negro, o homossexual e o diferente como “outros” a serem combatidos, marginaliza e exclui, ao invés de promover o diálogo e a aceitação. Dessa forma, as igrejas evangélicas têm contribuído para polarizar a sociedade, muitas vezes ao propagar discursos de ódio e intolerância.
No campo político, essas igrejas têm se posicionado como importantes atores na consolidação de uma agenda de direita e ultradireita. Ao eleger representantes comprometidos com essa visão de mundo, o segmento evangélico tem sido decisivo em debates sobre moralidade pública, educação e direitos humanos. Além disso, o fortalecimento do seu poder político garante influência sobre decisões governamentais que afetam diretamente os rumos do país.
Essa aliança com o campo político de direita e ultradireita também tem sido motivada pela necessidade de defender seus interesses institucionais. Essas igrejas frequentemente apoiam candidatos que promovem a redução do papel do Estado na regulação de suas atividades, garantindo maior autonomia e menos controle sobre suas finanças e propriedades. A influência política serve, portanto, para reforçar o poder das igrejas sobre seus fiéis e sobre a sociedade em geral.
O crescimento dessas igrejas, aliado ao seu alinhamento com a agenda conservadora e materialista, revela um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se proclamam defensoras da moralidade e dos valores cristãos, elas distorcem a própria doutrina que afirmam representar, promovendo divisões, preconceitos e uma visão de mundo materialista que contraria os ensinamentos fundamentais do cristianismo.